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17 de jan. de 2013

Locomotiva



No dia 14 de março de 1946, meu pai, Manoel, saiu muito cedo de casa. Ia levar à estação da Estrada de Ferro uma encomenda para uma pessoa da família, a qual era residente em Cachoeiro de Itapemirim.

Não era a primeira vez que meu pai fazia tal coisa; freqüentemente, até, servia-se dos préstimos de um velho maquinista, seu conhecido, que se encarregava de fazer chegar as encomendas ao seu destino.

O trem, que era misto, partia às 5 horas e 30 minutos, tendo meu pai chegado à estação um quarto de hora antes, dirigindo-se à locomotiva, mas vendo que não havia ninguém dentro, resolveu esperar que o amigo chegasse.

Decerto tinha ido tomar um café, pensou meu pai. Mas o tempo foi passando 5, 8, 10 minutos.
Já estava na hora da locomotiva ir apanhar a composição, e nada do maquinista chegar. Nisto ouviu-se o apito do manobreiro, ordenando que a máquina se pusesse em movimento, indo encostar-se aos vagões para o engate, preparando-se para a partida.
Meu pai, que conhecia o serviço, ainda pensou com seus botões: - Vai ter que esperar que o maquinista chegue.
No mesmo instante, porém e com certo espanto, notou que a locomotiva começava a se movimentar, caminhando para a composição. Depois ouviu aquele ruído surdo, tão característico do entrechoque dos engates dos vagões com a locomotiva, e viu a locomotiva voltar, vagarosamente, sem esperar sinal algum.

O manobreiro gritou: - Êêêêê! Como é isto? Você ficou maluco, seu maquinista? Tem que esperar o sinal!
Volte que não engatou! Mas a locomotiva foi seguindo para frente, sempre em marcha lenta; passou por meu pai e foi estacionar exatamente no local de onde havia saído.

O manobreiro veio correndo, para tomar satisfações:
- Então, como é? Isto é a casa da sogra, ou... Mas, ao subir os degraus da máquina, parou, meio desconsertado, murmurando: - Diabo! Ou esta gente saltou sem eu ver... ou este negócio estava andando sozinho? - e saiu ruminando palavras, enquanto voltava para o seu lugar.

Já passava das 5 horas e 30 minutos, sendo que nesse momento o maquinista, que por um motivo qualquer perdera o horário, chegava esbaforido.

Meu pai dirigiu-se a ele, a fim de lhe entregar a encomenda.
Viu, porém, que não era seu velho conhecido, e sim uma outra pessoa que subiu à máquina apressadamente, e tratou de cumprir sua obrigação.

Nisto aproximava-se o manobreiro, a quem meu pai perguntou:

- Maquinista novo?
- Sim, este peste, que me chega com quase 10 minutos de atraso!
- E o outro? o que eu conhecia?
- O outro? Pois não sabe? Morreu, coitado, há oito dias, num desastre na linha Coutinho-Alegre.


E ajuntou, suspirando: - Aquele sim! Era eu dar o sinal, e a locomotiva fazia logo o que tinha de fazer!

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